“Um encontro que estava escrito para acontecer”. Muitas pessoas costumam se referir a uma “ligação maior” para falar sobre os encontros da vida, os esbarrões do destino, nos quais sentimentos fortes despertam e são capazes de transformar trajetórias. A história que contamos nesta página é destas repletas de amor, companheirismo, crescimento e que, infelizmente, não pôde ter novos capítulos.
Assim como nos contos de fadas, a sobradinhense Nediane de Oliveira Trindade, encontrou na juventude um príncipe para chamar de seu. Só que a ligação deles vinha desde a infância, quando o sentimento era outro, de amizade. “A minha história e do Marcelo começou com nossos pais que eram amigos. Ele sempre fazia questão de contar que foi me visitar quando nasci, que inclusive foi na minha festinha de 1 ano”, recordou-se Nediane, acrescentando que Marcelo Trindade tinha apenas dois anos de idade a mais do que ela.
Com as circunstâncias do destino o jovem foi morar fora, as famílias acabaram se distanciando de alguma forma e os anos passaram. Mas em seus 15 anos Nediane fez questão de convidá-lo para a festa. Tempo depois, já graduada em Nutrição, a recém-formada retornou para Sobradinho e, no mesmo ano, Marcelo também voltou ao município.
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“Um pouco além disso, a gente se reaproximou, ficamos e namoramos por dois anos, até irmos morar juntos por mais dois anos, quando noivamos, e então nos casamos. Foi um reencontro. A gente já se conhecia de muito tempo, mas acho que não era para ter acontecido em outra época, foi para ser quando tinha de ser exatamente”, contou emocionada.
A relação intensa desde o primeiro beijo foi marcada por muitos momentos, os quais Nediane guarda com muito carinho: “Fez parte de muitos bons momentos meus, de toda minha trajetória profissional. Eu o chamava de meu príncipe e ele me chamava de princesa. A gente era uma equipe. Tínhamos nossos defeitos, mas a gente se completava, se dava bem, era uma relação em que nós tínhamos muitos planos, muitos sonhos e talvez de tão intensa acabou logo, foi curta, mas foi intensa”.
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O casamento que ocorreu após estarem juntos quatro anos, em 2014, não era exatamente um sonho, mas uma ideia que foram amadurecendo e juntos foram criando expectativas e ficaram apaixonados pela ideia de casar. “Na verdade, este era um dinheiro envolvido que a gente poderia gastar em viagem, que era algo que a gente também pensava e colocava na balança. Lembro que o Marcelo falava: ‘isso é uma viagem de um dia, Nedi’ e foi aí que decidimos fazer esta ‘viagem de um dia’. E foi muito lindo. É uma memória que fica”.
Como outros casais apaixonados, a companhia um do outro bastava e assim passavam os dias, também compartilhados com a família e amigos. “Gostávamos de aventura, mas também de estar no nosso cantinho, mais reclusos, em nossa sonhada casa. O plano que a gente mais conversava era trabalhar para tentar depois curtir a vida viajando de moto. Muitas vezes a gente pensa no depois, e o depois não chega”, recordou-se em meio às lágrimas. Motos eram uma das paixões em comum do casal, sendo que a moto estradeira que adquiriram depois de casados os levou, desde 2018, a conhecer muitos lugares. “A gente quase não andava de carro. Fazíamos questão de ir de moto”, acrescentou a nutricionista.
Os verbos desta matéria se encontram no passado, pois a tão linda história de Nediane e Marcelo foi interrompida em um acidente de trânsito em Santa Cruz do Sul, em outubro de 2020. O casal que tinha em comum o amor, o respeito, também dividia a paixão pela natureza, por motos e viagens. Naquele 30 de outubro estavam indo aproveitar a praia em Santa Catarina, quando a viagem terminou bem antes da metade do caminho. Naquele acidente, Nediane perdeu o seu companheiro, teve fraturas, ficou 42 dias sem caminhar e com uma dor difícil de superar.
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“Pela forma como ocorreu o acidente, não era para eu estar viva, mas perto do que aconteceu, praticamente saí intacta. Não lembro mais do que um raio na minha cabeça, e batendo contra a parede. Não foi fácil. Tive fratura na pelve, na costela e em um osso da mão. Passei por cirurgia. Fiquei por vários dias somente na cama. Depois andei de andador, após de muleta. Fiquei afastada uns três meses do consultório e do trabalho. Hoje estou bem, sinto quase nada. Me cuidei, me esforcei, fiz fisioterapia e todo o suporte nutricional”, contou, dizendo ter a percepção de que, por algo maior, renasceu.
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Paralelo às dores físicas, Nediane buscou forças na espiritualidade para seguir em frente e lidar com o sentimento dicotômico da morte de alguém muito amado e, por outro lado, de gratidão por estar viva e de sentir, naquele momento, que existia uma missão para cumprir. “Pensei que a gente fosse viver por no mínimo mais uns cinquenta anos juntos… muito mais. Não tive outra escolha que não me agarrar com a fé. Rezei muito, meditei muito, me conectei muito com uma força que dizia que eu precisava seguir. Eu não podia morrer em vida”, revelou.
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Com o apoio de familiares, amigos e profissionais da saúde, fez terapias, reiki, barra de access, meditação e seu próprio trabalho, ligado ao comportamento humano, diz ter contribuído para lidar com o emocional, com a dor da ausência e todos os sentimentos que afloraram neste período. “Parece que até minha profissão de alguma forma me preparou para viver isso e muita gente me ajudou, realmente uma rede de apoio bem grande. Não tem sido fácil, mas tenho tentado – sem me revoltar -, vibrar no amor, fazer com que quando eu pense nele eu vibre no amor. Então eu choro, mas é de amor, de saudade, eu tento passar uma vibração boa, pois entendo que nós somos uma força, uma energia, e que tudo que emano aqui, provavelmente ele sente lá”, destacou.
Se eu pudesse falar com o Marcelo agora eu teria gratidão por ter vivido tudo que vivi com ele. Que não me arrependo de nada, que foi tudo muito bom. Que agradeço por ter tido essa troca com ele, de poder dividir a vida e vários sonhos. Nós éramos dois piás, conquistamos muitas coisas juntos e evoluímos. Foram muitas coisas que fizemos pela primeira vez juntos. O que mais fica é gratidão por ter convivido estes dez anos com ele. Se pudesse falar, diria: muito obrigada por ter somado, por ter me amado e me deixado sentir esse amor
Nediane de Oliveira Trindade
A morte de Marcelo, engenheiro mecânico e empresário, aos 36 anos, causou uma grande comoção na comunidade. Uma perda prematura e que deixou sonhos por concretizar.
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Passados sete meses do acidente, Nediane diz tentar transmutar esse sentimento, transformar em algo que a faça seguir a caminhada, também por ele: “Eu vivo todo esse luto e não tem como não ser triste. Mas toda essa fé, essa espiritualidade, essa parte terapêutica e toda essa rede de apoio, foram e são essenciais para seguir em frente”.
E onde fica o amor?
Conforme a psicóloga clínica, Roberta Salvati Vicente, o amor tem papel fundamental para transformar a dor da perda e contribuir para amenizar a ausência física. A vivência do luto, segundo a psicóloga, é sentida em intensidades diferentes por cada pessoa, sendo que cada indivíduo terá um modo particular para lidar com seus sentimentos. “Alguns se ligarão mais ao sentimento de gratidão, à espiritualidade, enquanto outros se tornam mais introspectivos, desencadeando formas menos saudáveis de lidar com a perda”. Por isso, ela ressalta também a importância de fortalecer uma rede de apoio para o enfrentamento e, em alguns casos, a busca de ajuda com profissionais.
“Não é fácil perder uma pessoa querida, quanto mais um grande amor, independente das circunstâncias. Adaptar-se e reinventar o dia a dia após uma grande perda é complexo e carregado de uma dor intensa. A coragem de seguir em frente após as dores do luto (as quais devem ser vivenciadas), vai tomando o lugar da tristeza. A saudade e a gratidão vão ocupando um lugarzinho especial: aqui mora o amor. Ele transcende o espaço e o tempo. As memórias das vivências juntos jamais são apagadas, pelo contrário, são o que dão força para acreditar em dias melhores sempre. Costumo dizer que a forma mais honrosa de manter ‘viva’ a pessoa amada, é mantendo em si as qualidades e admirações que se tinha do ente querido. E onde fica o amor? Continua existindo independente de tudo”, enfatiza a psicóloga.
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